quarta-feira, 18 de junho de 2008

ANÁLISE E CRÍTICA DA CONSTITUIÇÃO DE 1891

CONSTITUIÇÃO DE 1891 – ANÁLISE E CRÍTICA.[1]

José Enéas Barreto de Vilhena Frazão.



RESUMO – O presente trabalho tem a finalidade de fazer um apanhado geral acerca da constituição de 1891, classificando-a, tomando por base as categorias expostas por Paulo Bonavides em sua obra, e ainda explanando acerca das principais mudanças que esta veio a ocasionar na sociedade brasileira com seu advento. A relevância deste trabalho se encontra na análise de uma das constituições mais importantes historicamente de nosso país, dadas as repercussões que gerou nesta nação.

SUMÁRIO – 01 – Introdução (Contextualização Histórica); 02 – Legitimação do Poder; 03 - Classificação da constituição de 1891 segundo as categorias expostas por Paulo Bonavides; 04 – Lassale X Hesse. 05 – Conclusão (Crítica e Finalizações).

INTRODUÇÃO
Contextualização Histórica

A constituição brasileira de 1891 é tida como uma das mais relevantes quanto ao papel histórico que desempenhou e devido às mudanças que acarretou na sociedade brasileira de fins do Séc XIX. Sua elaboração teve início no ano de 1890, sendo promulgada em 24 de fevereiro de 1891, após um ano de negociações com os poderes que realmente comandavam o Brasil, vigorando durante todo o período histórico conhecido como república velha, e sofrendo ao longo de toda a sua vigência apenas uma única modificação, em 1927. Seus principais autores, ou pelo menos os mais notáveis, foram Prudente de Morais e Rui Barbosa, este primeiro, à época, era presidente do congresso e senador por São Paulo, no entanto, houve dezenas de outros colaboradores, todos citados ao final da carta constitucional, que produziram os seus cerca de 100 artigos.
A constituição de 1891 foi fortemente inspirada na constituição previamente adotada pelos Estados Unidos da América, e uma de suas principais características era a forte descentralização dos poderes, dando grande autonomia aos municípios e às antigas províncias, que passaram a ser denominadas “estados”, e o seus “governadores” que passaram a ser denominados “presidentes de estado”. Outro aspecto em comum com a constituição norte-americana foi o modelo federalista, permitindo que os estados se organizassem de acordo com os seus interesses peculiares, desde que estes não contradissessem a constituição.
Outra marcante característica que deveras marcante foi à história deste país, foi a celebração da existência dos três poderes, a saber, executivo, legislativo e judiciário, pondo um fim ao antigo poder moderador, desempenhado pelo imperador, e que subjugava estes outros três, ceifando-lhes a autonomia. Os membros dos poderes executivo e legislativo passaram a ser eleitos pelo voto popular direto, e portanto, eram os representantes do povo no regime democrático representativo adotado com o advento desta constituição, já citado em seu artigo primeiro.
O regime de governo adotado então foi o presidencialista, e o presidente seria eleito pelo voto direto para exercer um mandato que se prolongaria por não mais que quatro anos, e não havia o direito de se reeleger para o mandado seguinte, contudo, não haviam impedimentos para candidatura visando mandatos posteriores. Diferentemente do que hoje ocorre, o vice – presidente era eleito independentemente do presidente da república, e por vezes, ocorria de ser eleito um vice da oposição, o que dificultava por demais o exercer do poder, e, além disso, em caso de morte do presidente, seu vice assumia somente até que se fossem feitas novas eleições, não tendo de exercer a presidência até que se completasse o quadriênio.
Quanto ao voto continuava a ser não-secreto, às claras, já que o eleitor assinava a cédula eleitoral, obrigatoriamente. Um avanço neste quesito diz respeito ao fim do voto censitário, ou seja, aquele que definia o eleitor por sua renda, mantendo, no entanto, excluídos ainda as mulheres, os religiosos sujeitos a obediência eclesiástica, os analfabetos e os mendigos.
Definiu-se a separação entre igreja e estado. Outro marco histórico a ser levado em consideração nesta análise. Durante o período anterior, muitas funções que hoje são desempenhadas pelo estado ficavam a cargo da igreja católica, como eram os registros de casamento, nascimento e óbito, o ensino, e mesmo os cemitérios onde somente jaziam os pertencentes a esta religião que era a adotada oficialmente na época. O estado, por sua vez, também passou a não mais interferir na igreja, já que antes este escolhia os membros do alto clero. As paróquias deixaram de desempenhar funções administrativas, já que antes poderiam equivaler a um município, vila ou comarca. O país, portanto, não mais teve a religião católica como oficial, em proveito da liberdade de credo livre do povo. O estado passou a disponibilizar tais serviços como ensino e registros em cartório sem qualquer intervenção religiosa, e neste período, surgiram também os cemitérios públicos, onde todos, independente de crença, poderiam ser enterrados.
De igual importância histórica foi o fim da nobreza e de quaisquer privilégios que esta poderia acarretar. Alguns poucos manteriam seus títulos apenas por questão de respeito ou cortesia, mas tais títulos já não possuíam valor nenhum. Vale ressaltar que o brasileiro que viesse a aceitar algum título de nobreza estrangeiro perderia seus direitos políticos.
A constituição brasileira de 1891 foi redigida à semelhança da norte–americana, levando em consideração seus princípios republicanos, embora os princípios liberais e democráticos em grande parte tivessem sido suprimidos pelos interesses das classes dominantes, já que as oligarquias latifundiárias, por meio de seus representantes, tiveram grande influência no desenvolver desta constituição, daí surgindo o federalismo, que era anseio dos cafeicultores paulistas para que aumentasse a descentralização do poder e dessa forma se fortalecesse as oligarquias regionais. A influência paulista também é notável, já que na época os paulistas detinham quase 1/6 do produto interno bruto nacional. Tal influência oligárquica na constituição de 1891 será mais detalhadamente debatida posteriormente, já que constitui o ápice da crítica que objetivamos nós produzir.

02 – LEGITIMAÇÃO DO PODER.

Procederemos então, a análise da legitimação do poder referente à constituição de 1891. Levados por uma análise do preâmbulo constitucional poderia se afirmar que a legitimação do poder provém da vontade do povo, porém não convém deixar-se levar pelas impressões iniciais.
Como será mais possível verificar em momento posterior neste trabalho, historicamente, sabe-se que as vontades das oligarquias foram de considerável influencia durante o processo de formulação do texto desta constituição. Portanto, põe-se em questão a legitimidade desta constituição, não tendo partido única e exclusivamente da vontade soberana do povo, e sim dos anseios da classe oligárquica.
Prefere-se deixar o aspecto crítico para o final deste trabalho, de forma que este possa ser tratado com maior especificidade, e assim, melhor explicitado.
Não pode se afirmar legítimo o poder que impõe essa constituição já que esta visa a satisfação de uma única classe, mascarando-se em um aspecto popular.
Enfim, o poder que impõe a constituição de 1891 não é legitimo,pode-se afirmar superficialmente neste momento,não é legítimo, é pseudo-popular, pois representa na verdade as vontades das oligarquias da época, quando deveria estar de acordo com os anseios populares.

03 – CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1891 SEGUNDO AS CATEGORIAS EXPOSTAS POR PAULO BONAVIDES.

A partir deste momento formular-se-á uma análise que vise classificar a constituição de 1891 tendo por base as categorias expostas por Paulo Bonavides. Segundo o eminente autor, as constituições podem se apresentar sob aspectos formais ou materiais, podendo ser rígidas ou flexíveis, escritas ou costumeiras, codificadas ou legais, promulgadas, pactuadas ou populares, e por fim, concisas ou prolixas.
UMA CONSTITUIÇÃO MATERIAL – A constituição brasileira de 1891é uma carta que se apresenta sob o aspecto material, porque se restringe a tratar de assuntos essencialmente constitucionais. Paulo Bonavides coloca-nos que “do ponto de vista material, constituição é o conjunto de normas pertinente á organização do poder, à distribuição de competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais quanto sociais. Tudo quanto for enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da constituição”. (BONAVIDES. Pg80. 2008).
O aspecto material sob o qual se apresenta a constituição de 1891 se torna perceptível ao procedermos à análise de seu texto, que dispõe acerca da organização federal, dos direitos individuais (estes presentes na seção II do título IV) além de algumas disposições gerais e transitórias.
Portanto, por conter somente disposições acerca da organização estatal e direitos individuais, chega-se à conclusão que esta constituição se apresenta sob aspecto MATERIAL. Não contém assuntos que não sejam ESSENCIALMENTE CONSTITUCIONAIS ou de relevância constitucional. Não há enxertos de matérias não – constitucionais.
UMA CONSTITUIÇÃO RÍGIDA – Quanto à rigidez, tal constituição se apresenta como uma constituição rígida. Segundo Bonavides, constituições rígidas são “as que não podem ser modificadas da mesma forma que as leis ordinárias. Demandam um processo de reforma mais complicado e solene” ( BONAVIDES. Apud DIRCEY. Pg. 83. 2008).
O artigo 90 e seus parágrafos dispõem acerca do método de reforma empregado na constituição de 1891, portanto, esta não poderia sofrer qualquer modificação senão da forma como disposto no Art. 90. A constituição de 1891 não poderia ser reformada de maneira ordinária, como o são as constituições classificáveis como flexíveis. A constituição de 1892 sofreu apenas uma única reforma em 1927.
UMA CONSTITUIÇÃO ESCRITA – A constituição de 1891 era uma constituição escrita, pois constava em um documento formal[2].
UMA CONSTITUIÇÃO CODIFICADA – Quanto a integridade de seu corpo, a constituição de 1891, é classificável como uma constituição codificada. Constituições codificadas são aquelas que se apresentam todas contidas em um único texto íntegro. Paulo Bonavides classifica as constituições escritas de duas maneiras, como codificadas, da forma já descrita, e como legais “que se encontram esparsas ou fragmentadas em vários textos” (BONAVIDES. Pg. 88. 2008).
UMA CONSTITUIÇÃO “POPULAR” – Quanto à forma de sua adoção, as constituições podem ser outorgadas, pactuadas ou populares.[3] Como foi dito no tópico segundo (Legitimação do Poder), verifica-se que a constituição de 1981 seria classificável como popular, no entanto, a análise histórica não nos permite classificá-la desta forma.
Sabe-se que tiveram grande influência das oligarquias na elaboração da constituição de 1981, por meio de seus representantes, para que fossem garantidos os seus anseios, e um deles foi exatamente o federalismo, que garantiu maior autonomia e ampliação dos poderes das oligarquias regionais.
Portanto, uma constituição formulada para garantir os anseios de alguns, jamais poderia ser considerada como “popular”, caracterizaríamos então esta como uma constituição oligárquica, ou seja, manchada em sua essência pelos interesses de apenas uma parte da população, quando deveria abranger os interesses de toda a nação.
UMA CONSTITUIÇÃO CONCISA – Quanto à extensão as constituições podem ser concisas ou prolixas. As primeiras são as que se apresentam curtas, resumidas e objetivas, as segundas são as que se apresentam extensas, por tratar muitas vezes de assuntos não essencialmente constitucionais[4].
A constituição de 1891 é de fato concisa, por ser objetiva, de pequena extensão, contando apenas com 91 artigos, e mais 8 artigos em disposições transitórias.

04 – LASSALLE X HESSE.

Esta parcela de nosso desenvolvimento dedica-se às concepções de Ferdinand, Lassalle e Konrad Hesse, a saber, antagônicas, acerca da constituição.
Em um breve apanhado de suas teorias, temos que Lassalle colocáva-nos que a constituição são os fatores reais de poder, ou seja, os fatores que realmente exercem influência na sociedade, como o poder bélico dos exércitos, as vontades do monarca ou das oligarquias, o poder dos banqueiros, dentre outros, enquanto Hesse afirma que a constitução, por sua força normativa, teria o poder de opor-se à sociedade, adaptando-a aos seus princípios. Em Lassalle, as constituições que não correspondessem aos fatores reais de poder não passariam de folhas de papel, já que não lograriam observância / efetividade no sei da sociedade.
É possivel associar as ideias de Lassalle, acerca dos fatores reais de poder à Constituição de 1891, já que confirma-se as teorias deste quando observamos a influência tamanha das oligarquias, e seus intentos, eram fatores reais de poder na sociedade brasileira do século XIX, e de fato influenciram na elaboração desta constituição para que ela correspondesse às suas vontades e anseios.
CONCLUSÃO.
Crítica e Considerações Finais[5].

Detecta-se que a mais pertinente crítica a ser feita à constituição da república velha, diz respeito à sua origem, que poderia teoricamente classificá-la como uma constituição popular, já que foi a primeira constituição de caráter liberal de nossa história política, inspirada nos preceitos adotados pela carta estadunidense, e, no entanto, pela análise e comentários já aqui colocados, chega-se à conclusão de que na verdade, não o foi desta forma, não podendo ser considerada uma constituição realmente popular.
Já foi colocado que os interesses das oligarquias foram determinantes e de enorme influência, por meio de seus representantes, na elaboração da constituição em questão, e a própria adoção de um regime federativo, que concede autonomia aos estados, lhes foi uma “mão na roda”, por assim dizer, estando perfeitamente de acordo com os seus interesses, que envolviam a ampliação das influências oligárquicas nas localidades em que se situavam.
Portanto, jamais poderia-se afirmar o caráter popular de uma constituição contaminada por interesses oligárquicos que nela se infiltraram de tal forma, a influenciar inclusive no regime de governo a ser adotado. Percebemos que neste momento histórico de nosso país, a influência das oligarquias era ainda considerável, e ainda o é nos dias de hoje, afinal, como percebemos nos jornais impressos ou televisionados, os que elegemos para nos representarem e aos nossos anseios, na verdade se encontram e busca de suas próprias satisfações e proveitos.
Não se pode classificar a constituição de 1891 como popular exatamente por este motivo. Esta, não era uma carta de representação dos anseios populares, mas sim, das vontades de poucos, dos grupos oligárquicos, e tal colocação nos leva a ponderar se realmente houve avanços neste sentido até os tempos em que vivemos. Parece-nos que os interesses vigentes continuam sendo os das minorias, e não do povo em geral, por mais que os preâmbulos constitucionais tentem celebrar a vontade do povo como soberana. E esta, é a nossa crítica à mencionada constituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BONAVIDES, Paulo; Curso de Direito Constitucional; São Paulo; Malheiros Editores. 22ª edição. 2008.
LOPES, J.R. L et al. Curso de História do Direito. São Paulo. Método. 2006.
HESSE, Konrad. Die Normative Kraft de Verfassung (A força normativa da constituição: Tradução de Gilmar Ferreira Mendes); Sergio Antonio Fabris Editor; Porto Alegre. 1991.LASSALE,Ferdinand; A essência da Constituição; Lumem Júris, Rio de Janeiro, 1998

Notas:
[1] Trabalho apresentado por alunos da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, para obtenção de nota referente à disciplina “Teoria do Direito Constitucional”. O presente trabalho foi formulado com o intuito de caracterizar a constituição brasileira de 1891 quanto às suas características e as transformações que provocou na sociedade brasileira à época.
[2] Em Bonavides, as constituições recebem classificação como sendo costumeiras ou escritas. Estas últimas, o autor coloca como sendo fruto das lutas inglesas que redundaram no triunfo parlamentar, e, por outra parte, o produto doutrinário do contrato social de Rousseau, que levou à crença de que era mais adequado concretizar em um pacto ou contrato as normas de convivência entre governantes e governados. (BONAVIDES.Pg.85.2008).
[3] Paulo Bonavides, quando às formas de adoção das constituições, diz que estas podem ser outorgadas, pactuadas, ou populares.(BONAVIDES. Pg.89.2008) Constituições outorgadas são as que surgem do consentimento do rei, príncipe ou chefe de estado, em desfazer-se de uma parcela de suas prerrogativas em proveito do povo. É ato unilateral de uma vontade política soberana. A constituição pactuada é aquela que surge de um compromisso instável entre duas classes rivais, a saber, a realeza absoluta, já debilitada, e a aristocracia juntamente com a burguesia, ambas em ascensão, surgindo assim a forma institucional da monarquia limitada. E por último as constituições populares, são aquelas que surgem do princípio de que todo governo deve aparar-se no consentimento dos governados e traduzir a vontade soberana do povo, ou seja, tais constituições populares, são as que realmente surgem a partir da vontade soberana da nação como um todo, e não somente de uma parcela desta.
[4] Por este motivo pode-se associar as constituições prolixas com aquelas que se apresentam sob aspecto formal, por tratarem na maior parte das vezes de assuntos que normalmente não abrangeriam, ou não necessariamente deveriam ser matéria constitucional, daí a sua grande extensão, por englobar assuntos que normalmente lhe seriam ou deveriam ser alheios.
[5] Então, por fim, trata-se da crítica á constituição de 1891 neste tópico de conclusão, onde, ao nosso ver, haveria maior espaço para evidenciarmos a crítica feita ao caráter falsamente popular sob o qual se apresenta este texto constitucional que nos foi proposto para análise. Pode-se afirmar que, o que dispõe o preâmbulo constitucional não passa de uma tentativa de “mascarar” o seu verdadeiro caráter oligárquico.

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