quarta-feira, 18 de junho de 2008

CETICISMO E ÉTICA: O CETICISMO CONSTRUTOR DA PAZ SOCIAL

CETICISMO E ÉTICA: O CETICISMO CONSTRUTOR DA PAZ SOCIAL[1].

José Enéas Barreto de Vilhena Frazão[2].



Sumário: Introdução (delimitação do tema); 1 Acerca do Ceticismo em si; 2 De como o ceticismo constitui um elemento construtor da paz social e da tolerância; 3 Conclusão; Bibliografia.


RESUMO
O presente artigo tem o intuito de demonstrar de que forma o Ceticismo pode vir a se tornar uma ferramenta de construção de um sentimento de aceitação da pluralidade cultural – ideológica que se configura entre os diversos grupos humanos. De que forma o engrandecimento cultural do indivíduo pode criar um melhor relacionamento com os demais que o cercam, e de que forma uma postura cética socialmente adotada pode levar a um apaziguamento das tensões sociais entre grupos ideologicamente e culturalmente diversos.

PALAVRAS – CHAVE
Ceticismo; Pluralismo; Tolerância.

Introdução.

O presente trabalho foi desenvolvido com a intenção de estabelecer uma relação entre a adoção de uma postura cética por parte dos indivíduos, enquanto seres viventes em sociedade, e a construção de um sentimento de aceitação da pluralidade cultural e ideológica, proporcionando o estabelecimento de uma sociedade mais tranqüila e fraterna.
Tentaremos mostrar como o ceticismo pode constituir uma ferramenta sócio-cultural de apaziguamento das tensões sociais, normalmente geradas pela intolerância e pela não aceitação e entendimento do próximo, enquanto outro diferente, e em diversos aspectos único, ao qual talvez jamais se poderá compreender totalmente.
Mostraremos, portanto, de que forma a adoção de uma postura universalista, cética, pode atuar socialmente de forma a construir uma sociedade melhor, mais acolhedora, onde os indivíduos que dela fazem parte deixem de julgar ao próximo com base em suas próprias concepções, com base em suas “pré-concepções”
Portanto, este desenvolvimento se dedicará a mostrar, em resumo, de que forma uma postura cética contribuiria para o apaziguamento das tensões sociais de toda ordem.

1 Acerca do ceticismo em si.

Segundo Giorgio Del Vecchio, em sua obra Lições de Filosofia do Direito, uma atitude cética seria uma atitude de negação. Uma filosofia cética, para o autor, seria uma filosofia que pretende nos mostrar que, o conhecimento in genere seria impossível de ser obtido, e portanto, para o autor, depreende-se, uma postura cética seria uma postura de negação de verdades que visam se impor como absolutas, os conhecidos dogmas, e assim, a filosofia cética seria portanto uma filosofia de combate ao dogmatismo.
Observemos trecho de Del Vecchio em que este nos fala acerca do ceticismo, da filosofia cética:
A instabilidade e arbitrariedade do direito positivo foi o argumento favorito dos Sofistas no combate à autoridade da lei. Do mesmo se socorreu a filosofia dos cépticos quando estes pretenderam demonstrar, mais tarde, a impossibilidade do conhecimento in genere. Dos dez tropos ou argumentos que a escola céptica, fundada por Pirro, usou para aconselhar a suspensão de todo o juízo (...) um deles baseava-se precisamente nas instituições, costumes e leis discordantes entre si.[4]

A definição de Del Vecchio, que na ocasião citada se referia mais precisamente a um ceticismo jurídico, (afinal, a obra citada trata de filosofia aplicada ao direito) ao nosso ver, contribui perfeitamente para que possamos dela abstrair a idéia maior de uma filosofia cética: a negação de dogmas, a “suspensão de todo juízo acerca das coisas”, e em nosso entender, a suspensão dos “pré-conceitos”. Em um momento posterior de sua obra, Del Vecchio assume inclusive uma postura de negação do ceticismo[5], afirmando que no espírito humano, “na consciência de si mesmo, tem a prova irrecusável e peremptória de uma existência e cognoscibilidade”. No entanto, neste artigo, vale lembrar, defendemos a adoção de uma postura cética de negação de pré-concepções em vivência no seio da sociedade, no contato com o outro, com a alteridade, enquanto o eminente autor referia-se a uma postura cética absoluta, não referindo-se, como no nosso caso, a uma situação específica, a uma proposta de negação específica, e não geral.
Retomando o assunto deste trabalho, com o perdão pelo breve desvio do parágrafo anterior, quem também tem algo a nos dizer acerca do ceticismo é o excelente Miguel Reale, quando nos afirma, em sua obra Filosofia do Direito que:
Enquanto o dogmatismo afirma a possibilidade de atingir-se a verdade com certeza e sem limites a priori, o ceticismo implica em uma atitude dubidativa ou em uma provisoriedade constante, mesmo a respeito de opiniões emitidas no âmbito das relações empíricas (...) O ceticismo Nunca abandona a atitude dubidativa do espírito, mesmo quando enuncia juízos sobre algo[6]

Acreditamos já se encontrar muito bem definido o pensamento cético a este ponto. Jamais poderíamos proceder à tentativa de demonstração da relação entre a adoção de uma postura cética e o estabelecimento da tolerância em âmbito social sem compreender-se anteriormente a essência do pensamento cético, para entendermos então de fato o que significaria a “postura cética” à qual tanto nos referimos.
Por este motivo realizamos tão exaustiva definição do pensamento cético, recorrendo a dois autores para elucidar-nos o mesmo tema, e por fim, podemos então afirmar que o pensamento cético seria exatamente a não aceitação de verdades impostas, provindas de quaisquer fontes, a negação de conceitos que pretendem fazer-se absolutos.

2 De como o ceticismo constituiria elemento construtor da paz social e da tolerância.

Boaventura de Sousa Santos, em Reconhecer para libertar. Os caminhos do Cosmopolitismo Muticultural, nos coloca que;
A expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio das sociedades “modernas”. Rapidamente, contudo, o termo tornou-se um modo de descrever as diferentes cultural em um contexto transnacional e global.[7]

Reconhecendo esta situação de coexistência de múltiplas vertentes culturais no seio das mesmas sociedades, verifica-se que, por possuírem valores diferenciados, há uma tendência de que, em determinado momento, estes grupos entrem em choque.
Neste contexto entre culturas diferenciadas e valores diversos, o que geralmente ocorre é que os povos ou grupos sociais formam juízos acerca dos modos de vida e cultura diferentes dos seus.
O grande problema constitui-se em que, na verdade, tais juízos que são formados acerca das culturas e valores do outro, normalmente são negativos, já que os indivíduos tendem a assumir uma postura localista, etnocêntrica, que tende a julgar os seus valores como corretos e superiores, enquanto os valores que lhe são estranhos seriam ruins, inferiores.
Quem nos descreve perfeitamente o problema do etnocentrismo é Herskovits, quando diz que:
O mecanismo primário que funciona na avaliação da cultura é o etnocentrismo. Etnocentrismo é o ponto de vista segundo o qual o próprio modo de vida de alguém é preferível a todos os outros. Como dimana do processo inicial de endoculturação, esse sentimento é conatural à maior parte dos indivíduos, quer o expressem, quer não.[8]

A coexistência de múltiplas culturas e valores no seio de uma mesma sociedade, e a tendência antropocêntrica dos indivíduos, ao formar juízos acerca de outras culturas estranhas á sua, como já foi colocado, inevitavelmente leva ao conflito entre grupos, que consiste na verdade em um conflito entre culturas, ideologias, modos de vida.
Os indivíduos em si, enquanto continuarem a nutrir concepções localistas e exacerbação de seus valores e negação do outro, serão os principais responsáveis pelas tensões entre os grupos sociais e pela violência que marca os tempos modernos, quando vemos mendigos serem queimados e mortos por jovens de classe média alta, (talvez pelo simples fato de acreditarem não ser aquele a quem matavam algo mais que um animal, por de se encontrar em situação de miséria e maltrapilho), prostitutas, homossexuais, negros e latinos serem espancados por grupos de skinheads, dentre outras atrocidades geradas pela intolerância.
Exatamente neste momento encaixa-se a idéia principal deste nosso desenvolvimento, o papel da postura cética no combate à intolerância, ao localismo, ao antropocentrismo, em pró da tolerância, do respeito mútuo entre os que se enxergam diversos.
O papel da postura cética diante da sociedade plural constituiria exatamente o elemento apaziguador, levando os indivíduos a descartarem os juízos que adquiriram e que se encontram arraigados em seu ser, enraizados em sua alma, e que podem levá-lo a estabelecer juízos distorcidos acerca dos valores alheios aos seus.
Ao se deparar com a alteridade, e enxergar o outro como um indivíduo de cultura e valores inferiores, e, portanto talvez desprezíveis, estes juízos distorcidos podem levar o indivíduo a acreditar que se encontre no direito de proceder de maneira rude ou mesmo agressiva para com o outro, dando início muitas das vezes a tensões, que dos indivíduos, estendem-se para seus grupos, que também acabam por ser sentir ofendidos com a atitude desrespeitosa, gerando situações conflituosas de grandes proporções.
Somente uma postura cética com relação ao outro e aos seus valores pode encaminhar as sociedades a uma situação de paz e de cessação dos conflitos, e para tal, a suspensão dos juízos “pré-estabelecidos” é imprescindível, de forma que tal atitude possibilita ao indivíduo enxergar o outro de forma imparcial, não tendenciosa, e antes de tudo respeitosa, mesmo não compreendendo seus valores ou crenças, ou mesmo suas atitudes ou maneira de ser, já que, a busca incessante pelo correto ou errado, pelo bem ou mal, pode gerar uma pertubabilidade que ocasione (segundo os céticos) a infelicidade. Tal busca consistiria, ao nosso ver, em sempre procurar enquadrar o outro em uma categoria sócio-cultural inferior, para que, em comparação à sua própria, esta pareça superior, portanto boa.
João Maurício Adeodato, no décimo capítulo de sua ética e Retórica, nos fala acerca da Ataraxia, a imperturbabilidade proporcionada pela adoção de uma postura cética:
Ataraxia é essa tranqüilidade que não se perturba, a imperturbabilidade. O termo vem de taraché, a perturbação causada pela busca incessante do bem e do mal, dentre outros, porque toda perturbação traz infelicidade.[9]

Pois então, podemos depreender do texto de Adeodato que, uma postura cética socialmente adotada propiciará não somente uma situação de tolerância social, como foi defendido ao longo de todo este trabalho, que seria saudável a todos os indivíduos, como também uma imperturbabilidade por parte do indivíduo que a dota, tornando-o alguém mais tranqüilo, e, portanto, mais feliz.

Conclusão.

Por fim, resumindo tudo o que foi aqui colocado, pode-se afirmar que, a postura cética que defendemos ao longo destas páginas, não constitui uma negação generalizada aos moldes de um ceticismo dogmático[10], constituindo tão somente a suspensão dos juízos acerca do próximo, em favor da paz social, e de nossa própria paz interior, sendo tal ceticismo, acima de tudo, um eficaz instrumento de pacificação de conflitos e de manutenção da fraternidade entre os indivíduos, entre os grupos e tribos, e entre os povos, em uma esfera mais abrangente.

SKEPTICISM AND ETHICS: THE CONSTRUCTOR SKEPTICISM OF THE SOCIAL PEACE.


SUMMARY
The present article has the intention to demonstrate in witch ways the skepticism can turn into a construction tool of a feeling of acceptance of the cultural-ideological plurality that happens in the human groups, stil treating about whow can the cultural improvement of the individual can contribute to calm down the social tensions between the ideological and cultural devergent groups.

KEY – WORDS
Skepticism; Pluralism; Tolerance.

BIBLIOGRAFIA.

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica. Saraiva. 3ª Edição. 2007.
HERSKOVITS, M. J. Antropologia Cultural .São Paulo. Mestre Jou editora. 1969.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Editora Saraiva. 7ª Edição. São Paulo. 1975.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Editora Saraiva. 9ª Edição. São Paulo. 1982.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar. Os caminhos do Cosmopolitismo Muticultural. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2003.
VECCHIO. Giorgio Del. Lições de Filosofia do Direito (Lezioni di Filosofia Del Diritto). Armênio Amado Editor, Sucessor. Ceira – Coimbra – Portugal. 1979.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR.

GUSMÃO. Paulo Durado de. Filosofia do Direito. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1998.
MONCADA, L. Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra Editora. 1995.


Notas:

[1] Trabalho desenvolvido para obtenção de nota relativa à disciplina Filosofia do Direito, ministrada pelo professor Isaac Reis. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. Curso de Direito.
[2] Aluno do segundo período do Curso de direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco UNDB.
[3] Aluno do segundo período do Curso de direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco UNDB.


[4] VECCHIO. Giorgio Del. Lições de Filosofia do Direito (Lezioni di Filosofia Del Diritto). Armênio Amado Editor, Sucessor. Ceira – Coimbra – Portugal. 1979. Pg. 332.
[5] Comentário somente a título de informação complementar.
[6] REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Editora Saraiva. 9° Edição. São Paulo. 1982. Pg. 162.
[7] SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar. Os caminhos do Cosmopolitismo Muticultural. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2003. Pg.26.
[8] HERSKOVITS, M. J. Antropologia Cultural .São Paulo. Mestre Jou editora. 1969. Pg. 90.
[9] ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica. Saraiva. 3ª Edição. 2007. Pg.339
[10] Idem, cit. 8

Nenhum comentário: